domingo, 17 de janeiro de 2016

O sociólogo Paulo Delgado fala da internet e das transformações na vida cotidiana

Entrevista

Nossa entrevista da vez é com o sociólogo e professor Paulo Delgado. Um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, foi deputado federal por seis mandatos, participando também da Assembléia Nacional Constituinte, que elaborou a atual Constituição brasileira. Ele é colunista em diferentes jornais e conversou com o Blog Vida Útil sobre as transformações que a internet trouxe para a vida contemporânea.
 
Vida Útil- Como você vê as mudanças comportamentais e nos relacionamentos que a internet trouxe para a sociedade?
Paulo Delgado – O que vejo na internet é que ela tem muitas características positivas ao lado de outras, negativas. Como acontece com todas as tecnologias; pode ser apropriada para o bem ou para o mal. A grande questão que coloco é que essa é uma tecnologia especialíssima, com características muito próprias. É algo sem precedentes na história da humanidade. As informações são disponibilizadas para todas as pessoas. E nesse público, encontram-se pessoas muito simples, desprotegidas.

V.U. – Você acha que há necessidade de algum tipo de controle ou filtro em relação às informações que são disponibilizadas?
P.D. – As redes sociais, todo o sistema da web, na verdade, criaram uma ficção moral, libertária, sem controle. Tanto é que os países autoritários abominam a internet, não suportam a velocidade das informações. Não defendo a proibição de sites, como querem alguns, mas a sua classificação. Ela é necessária para orientar sobre o que é recomendável ou não. Penso que um grande desafio é separar o que é produto do que é informação.

V.U. - Explique isso.
P.D. – A internet rapidamente se incorporou ao aspecto produtivo. A rede é ‘consumista’. Ela mistura desejo e necessidade. ‘Você precisa ter isso ou comprar aquilo para ser feliz, descolado e ‘antenado’ com o seu tempo’. Os apelos são constantes. Quando falo de separar o que é ‘produto’ do que é ‘informação’, vejo uma necessidade urgente de preservar a identidade, o ponto de equilíbrio do usuário da rede. Para que ele não seja um joguete na mão de interesses mercantilistas. As sugestões que a rede apresenta forçam um mundo de necessidades pelo caminho do desejo. E isso mexe com a nossa subjetividade, com o nosso interior. Quanto mais a pessoa tiver o espírito crítico aguçado, menos afetada será.
Veja por exemplo os sites de saúde. Os do Ocidente são basicamente produzidos por laboratórios para fazer a propaganda de remédios. Já na saúde alternativa, como a homeopatia e outras correntes, há ótimos sites com muitas informações, entrevistas, artigos de médicos orientais. São excelentes, principalmente os que falam da medicina chinesa.

V.U. - Há algum antídoto para neutralizar um pouco essa ‘enxurrada’ de mensagens consumistas, antes que venha uma legislação específica para colocar ordem no setor?
P.D. - Acredito na proposta de se criar, dentro da rede, sites de conteúdo, que despertem o espírito crítico, o raciocínio das pessoas. É uma forma de usá-la para prevenir os males que ela mesma provoca. E nessa proposta é necessário incluir a interação e também o controle do espaço, através de uma repressão educativa e pedagógica, para balizar o seu conteúdo.
A qualidade das informações veiculadas é extremamente relevante na formação das pessoas. Um navegador ‘ativo’, que não se desgruda da internet, pode ser também um grande tolo. Não é o fato de estar sempre conectado que o faz uma pessoa mais crítica, mais pensante. Depende muito do tipo de informação que ele acessa.

V.U. – Há algum outro problema que você identifica com o impacto da internet?
P.D. – Vejo um sério problema em relação à língua. É um desafio para os professores de português, pois ela criou uma linguagem própria que, se não cuidarmos, vira um dialeto, e o que é pior, um dialeto de gueto. Há necessidade de se controlar nas escolas essa questão do uso correto da linguagem quando a rede está entre os instrumentos de ensino.

V.U. – Há algum limite para essa ferramenta tecnológica poderosa que alterou o modo de viver contemporâneo?
P.D. - Há coisas que a internet não muda. Por exemplo, se dentro de casa a sexualidade é um mistério, não se fala sobre isso entre pais e filhos, é tratada como um assunto secreto, é muito provável que uma criança ou  adolescente criado nesse ambiente vá acessar um site pornográfico. A situação fica mais grave se as referências que se tem sobre o assunto são simplesmente as novelas. Esse tipo de coisa a internet não muda. Para mudar isso só com um processo de reeducação e orientação que envolve toda a sociedade. Tem que ser um projeto de nação. A velocidade da informação se tornou muito maior que o tempo da educação, e isso abre brecha para que predomine a informação que deseduca.

V.U. - Há mecanismos de bloqueio a certos conteúdos. Você aprova essas medidas por parte dos pais?
P.D. - Com relação a conteúdos impróprios, creio que o melhor caminho é o do diálogo. Existem os mecanismos de bloqueio, mas acho que a conversa franca e amigável é a melhor opção; explicar porque não se deve acessar determinadas coisas. A maneira mais eficaz é a educativa.

V.U. - Qual é o papel dos governos nisso tudo?
P.D. – É preciso acelerar o processo educacional. É claro que os governos têm a sua função, mas esse empenho deve ser de todos, dos pais e dos professores também. O Brasil é um exemplo clássico de um país que introduziu a tecnologia para o povo sem prepará-lo para isso. Mudar esse quadro é uma decisão de coletividade, de nação. Os recursos são geridos pelo Estado, mas o povo pode se envolver nessa discussão e exigir mudanças.
Atualmente o Estado brasileiro visivelmente não contribui para mudar esse quadro. Ao contrário. Fala-se na compra de tablets para as escolas públicas, cada aluno com um computador. Mas questões importantes ainda precisam de solução, como o ensino deficitário, a precariedade das instalações físicas, a preparação e remuneração do professor. Além disso, é necessário disponibilizar conteúdos que estimulem nas pessoas a autonomia e a identidade própria.
Não é difícil hoje você ser contestado por um aluno em uma aula ou palestra. Não é como antigamente, quando o professor falava e acabou-se, era a palavra final. O aluno diz que leu algo não sei onde, ou viu na internet. E mesmo sabendo que mentiras circulam na rede, há também acesso a muitas informações corretas. No momento, creio que não temos professores para receber alunos ultra-informados. Para uma revolução no processo educacional, onde se usa também os recursos eletrônicos, é preciso definir bem os papéis, quem escreve e produz e quem lê.

A entrevista foi realizada em 2011, com a finalidade de orientar um trabalho acadêmico. A decisão de publicá-la agora é porque ela se mostra atual e pertinente com o momento contemporâneo.


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