Entrevista
Nossa entrevista da vez é com o sociólogo e professor Paulo Delgado. Um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, foi deputado federal por seis mandatos, participando também da Assembléia Nacional Constituinte, que elaborou a atual Constituição brasileira. Ele é colunista em diferentes jornais e conversou com o Blog Vida Útil sobre as transformações que a internet trouxe para a vida contemporânea.
Nossa entrevista da vez é com o sociólogo e professor Paulo Delgado. Um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, foi deputado federal por seis mandatos, participando também da Assembléia Nacional Constituinte, que elaborou a atual Constituição brasileira. Ele é colunista em diferentes jornais e conversou com o Blog Vida Útil sobre as transformações que a internet trouxe para a vida contemporânea.
Vida Útil- Como
você vê as mudanças comportamentais e nos relacionamentos que a internet trouxe
para a sociedade?
Paulo Delgado – O
que vejo na internet é que ela tem muitas características positivas ao lado de outras,
negativas. Como acontece com todas as tecnologias; pode ser apropriada para o
bem ou para o mal. A grande questão que coloco é que essa é uma tecnologia
especialíssima, com características muito próprias. É algo sem precedentes na
história da humanidade. As informações são disponibilizadas para todas as
pessoas. E nesse público, encontram-se pessoas muito simples, desprotegidas.
V.U. – Você acha
que há necessidade de algum tipo de controle ou filtro em relação às
informações que são disponibilizadas?
P.D. – As redes
sociais, todo o sistema da web, na verdade, criaram uma ficção moral,
libertária, sem controle. Tanto é que os países autoritários abominam a
internet, não suportam a velocidade das informações. Não defendo a proibição de
sites, como querem alguns, mas a sua classificação. Ela é necessária para
orientar sobre o que é recomendável ou não. Penso que um grande desafio é separar
o que é produto do que é informação.
V.U. - Explique isso.
P.D. – A internet
rapidamente se incorporou ao aspecto produtivo. A rede é ‘consumista’. Ela
mistura desejo e necessidade. ‘Você precisa ter isso ou comprar aquilo para ser
feliz, descolado e ‘antenado’ com o seu tempo’. Os apelos são constantes. Quando
falo de separar o que é ‘produto’ do que é ‘informação’, vejo uma necessidade
urgente de preservar a identidade, o ponto de equilíbrio do usuário da rede. Para
que ele não seja um joguete na mão de interesses mercantilistas. As sugestões que
a rede apresenta forçam um mundo de necessidades pelo caminho do desejo. E isso
mexe com a nossa subjetividade, com o nosso interior. Quanto mais a pessoa
tiver o espírito crítico aguçado, menos afetada será.
Veja por exemplo
os sites de saúde. Os do Ocidente são basicamente produzidos por laboratórios
para fazer a propaganda de remédios. Já na saúde alternativa, como a homeopatia
e outras correntes, há ótimos sites com muitas informações, entrevistas,
artigos de médicos orientais. São excelentes, principalmente os que falam da
medicina chinesa.
V.U. - Há algum
antídoto para neutralizar um pouco essa ‘enxurrada’ de mensagens consumistas,
antes que venha uma legislação específica para colocar ordem no setor?
P.D. - Acredito na
proposta de se criar, dentro da rede, sites de conteúdo, que despertem o
espírito crítico, o raciocínio das pessoas. É uma forma de usá-la para prevenir
os males que ela mesma provoca. E nessa proposta é necessário incluir a interação
e também o controle do espaço, através de uma repressão educativa e pedagógica,
para balizar o seu conteúdo.
A qualidade das
informações veiculadas é extremamente relevante na formação das pessoas. Um
navegador ‘ativo’, que não se desgruda da internet, pode ser também um grande
tolo. Não é o fato de estar sempre conectado que o faz uma pessoa mais crítica,
mais pensante. Depende muito do tipo de informação que ele acessa.
V.U. – Há algum
outro problema que você identifica com o impacto da internet?
P.D. – Vejo um sério
problema em relação à língua. É um desafio para os professores de português,
pois ela criou uma linguagem própria que, se não cuidarmos, vira um dialeto, e
o que é pior, um dialeto de gueto. Há necessidade de se controlar nas escolas
essa questão do uso correto da linguagem quando a rede está entre os instrumentos
de ensino.
V.U. – Há algum limite
para essa ferramenta tecnológica poderosa que alterou o modo de viver
contemporâneo?
P.D. - Há coisas
que a internet não muda. Por exemplo, se dentro de casa a sexualidade é um
mistério, não se fala sobre isso entre pais e filhos, é tratada como um assunto
secreto, é muito provável que uma criança ou adolescente criado nesse ambiente vá acessar
um site pornográfico. A situação fica mais grave se as referências que se tem
sobre o assunto são simplesmente as novelas. Esse tipo de coisa a internet não
muda. Para mudar isso só com um processo de reeducação e orientação que envolve
toda a sociedade. Tem que ser um projeto de nação. A velocidade da informação
se tornou muito maior que o tempo da educação, e isso abre brecha para que
predomine a informação que deseduca.
V.U. - Há
mecanismos de bloqueio a certos conteúdos. Você aprova essas medidas por parte
dos pais?
P.D. - Com relação
a conteúdos impróprios, creio que o melhor caminho é o do diálogo. Existem os
mecanismos de bloqueio, mas acho que a conversa franca e amigável é a melhor
opção; explicar porque não se deve acessar determinadas coisas. A maneira mais
eficaz é a educativa.
V.U. - Qual é o
papel dos governos nisso tudo?
P.D. – É preciso
acelerar o processo educacional. É claro que os governos têm a sua função, mas esse
empenho deve ser de todos, dos pais e dos professores também. O Brasil é um
exemplo clássico de um país que introduziu a tecnologia para o povo sem
prepará-lo para isso. Mudar esse quadro é uma decisão de coletividade, de
nação. Os recursos são geridos pelo Estado, mas o povo pode se envolver nessa
discussão e exigir mudanças.
Atualmente o Estado
brasileiro visivelmente não contribui para mudar esse quadro. Ao contrário.
Fala-se na compra de tablets para as
escolas públicas, cada aluno com um computador. Mas questões importantes ainda
precisam de solução, como o ensino deficitário, a precariedade das instalações
físicas, a preparação e remuneração do professor. Além disso, é necessário
disponibilizar conteúdos que estimulem nas pessoas a autonomia e a identidade
própria.
Não é difícil hoje
você ser contestado por um aluno em uma aula ou palestra. Não é como
antigamente, quando o professor falava e acabou-se, era a palavra final. O
aluno diz que leu algo não sei onde, ou viu na internet. E mesmo sabendo que
mentiras circulam na rede, há também acesso a muitas informações corretas. No
momento, creio que não temos professores para receber alunos ultra-informados.
Para uma revolução no processo educacional, onde se usa também os recursos
eletrônicos, é preciso definir bem os papéis, quem escreve e produz e quem lê.
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