segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

O começo da 'mamata'

Política



            Há dois anos, os salários dos parlamentares de 29 países foram publicados pela revista britânica The Economist, fazendo uma comparação entre os países. O Brasil se destacou entre os primeiros. Ficou na quinta posição. Os políticos brasileiros têm salários melhores do que os do Canadá, Japão, Noruega, Alemanha, Israel, Reino Unido, Suécia, França, Espanha, Austrália, Itália, Nigéria e Estados Unidos. As regalias incluem ainda direitos como plano de saúde, auxílio-moradia, cota parlamentar, passagens aéreas e carro oficial. Coisas que não existem em muitos países.
            Em 2012, o senador Ivo Cassol (PP-RO) tentou barrar o projeto que acabava com o pagamento de 14º e 15º salários a parlamentares - sem desconto de Imposto de Renda, usando o argumento de que ganhavam “pouco”. “Político no Brasil é muito mal remunerado. Tem que atender ao eleitor com pagamento de passagens, remédios, é convidado para patrono e tem que pagar as festas de formatura porque os jovens não têm dinheiro”, disse na ocasião. Ivo Cassol é filho do também senador Reditário Cassol (PP-RO) que, durante o mandato, foi para a tribuna defender o uso de chicote em presidiários que se negarem a trabalhar para sustentar suas famílias, ao invés de ficar pendurados no auxílio reclusão.
O processo para acabar com o 14º e 15º salário dos parlamentares foi arrastado até 2013, quando foi aprovado por conta da pressão da opinião pública. A medida permitiu ao Congresso uma economia de R$ 30,1 milhões por ano (valores da época). Mas que ninguém se iluda. Esse e outros avanços só ocorrem quando há, de fato, a pressão e cobrança da sociedade. Como, aliás, todas as conquistas populares, desde as decantadas reformas trabalhistas conduzidas por Getúlio Vargas. É a marcha da história que determina as reformas benéficas, e não a benevolência de um homem ou de um partido.
Já disseram que a democracia é como uma planta frágil; requer permanente vigilância. O mesmo se pode dizer da derrubada dos privilégios de uns poucos. Esse também é um quesito que exige uma constante vigilância da sociedade. Em 2011, os vereadores de Cascavel, no Paraná, aumentaram os próprios salários em 55%, que saltaram de R$ 6 mil para quase R$ 10 mil. E a votação ocorreu em um dos momentos mais críticos da Câmara Municipal da cidade, quando 15 vereadores da casa eram investigados pelo Ministério Público por suposto esquema de corrupção na contratação de funcionários.
Em período mais recente, maio de 2015, os vereadores de Juiz de Fora-MG, aumentaram os próprios salários em mais de R$ 1.200, em votação ocorrida numa reunião extraordinária, sexta-feira à noite. Bastante estranhos o dia e o horário escolhidos para a votação. “Todo aquele que faz o mal odeia a luz, e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas”, ensina o supremo mestre no Evangelho de João, capítulo 3, versículo 20.
Para culminar 2015, no cenário de crises vividas não só pelo Brasil mas no resto do mundo, os vereadores de Lima Duarte-MG não foram modestos. Reajustaram os próprios salários em 122%, em novembro último. A reboque, os aumentos foram concedidos também ao prefeito, vice e secretários municipais em percentuais menores. Tudo isso numa cidade que não tem 20 mil habitantes. Infelizmente o modelo é recorrente e sucede país afora.
Se você fica indignado com essas notícias, saiba que nem sempre foi assim. No plano municipal, até a década de 1970, vereadores brasileiros não eram remunerados, à exceção de capitais e cidades com mais de 500 mil habitantes. Ainda assim, os salários daquela época nem se comparavam aos de hoje. A “mamata” instaurada nos cargos políticos brasileiros é mais uma herança maldita da ditadura militar. Um pacote de benesses do ditador Ernesto Geisel implantou a remuneração de vereador em 75% do salário de um deputado estadual.
Um plano para abolir esse benefício foi apresentado, em 2012, pelo senador Cyro Miranda. A PEC 35/2012 extinguia o pagamento de subsídio a vereadores de cidades de até 50 mil habitantes, e isso afetaria mais de 89% dos municípios brasileiros. Imagine a economia que permitiria aos cofres públicos; um dinheiro a ser aplicado na educação, na saúde, no saneamento e em outras necessidades básicas nas quais muitos brasileiros não são atendiidos.
Mas a vereança tupiniquim se uniu em bloco contra a medida e marchou para Brasília, onde conseguiu derrubar a PEC (Proposta de Emenda à Constiuição). A pressão foi tamanha que eles conseguiram que o projeto fosse retirado da pauta e arquivado pelo próprio autor.
Desse episódio fica uma lição clara. Nos programas televisivos dos partidos políticos, não se vê na fala de nenhum candidato ou político em exercício do mandato o clamor contra os privilégios dos políticos brasileiros, se comparados aos de grandes nações do primeiro mundo. Talvez seja esse o único ponto em que eles conseguem ser unânimes, sejam de partidecos ou partidões, de esquerda, direita ou centro, homofóbicos ou liberais. A remuneração dos políticos, no modo como ela se dá no Brasil, é um convite à ganância e ao cinismo, agravados pelo despreparo e pela falta de limites dos mandatos. Um prato cheio para que os que decidiram fazer da coisa pública o seu “emprego”, de pouco esforço e bem remunerado.


Referências:
O Povo
Portal G1 (http://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/2015/05/vereadores-de-juiz-de-fora-aumentam-proprios-salarios-em-mais-de-r-1200.html )

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