Entrevista
Nossa entrevista desta semana é com a Dra. Nathércia
Percegoni, professora do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de
Juiz de Fora-MG. Ela revela que muitas doenças modernas, inclusive alguns casos
de depressão, podem ter origem no intestino, prejudicado pelos hábitos de vida
e alimentares adotados em nossa sociedade. Nutricionista formada pela
Universidade Federal de Viçosa, Nathércia obteve o título de doutora por mérito
e conquista, e não de favor ou por tradição. Tem tese aprovada pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro e fez Pós-doutorado na UERJ (Universidade Estadual do
Rio de Janeiro). É com essa autoridade que fala sobre a disbiose, uma doença
que pode acarretar muitas outras e, apesar disso, é pouco conhecida e falada.
Fala ainda sobre a "medicina da doença", que prefere os remédios aos
recursos naturais.
Vida Útil – Você diz que é preciso fazer uma ‘limpeza’
intestinal, de tempos em tempos. Como se faz isso?
Nathércia Percegoni – Na verdade não é limpeza, é tratamento
intestinal. A limpeza intestinal, em geral, refere-se àquele procedimento feito
em hospitais, também conhecido como “lavagem”. O tratamento intestinal é outra
coisa. No intestino humano há bactérias benéficas e maléficas e elas convivem
em equilíbrio. Quando as bactérias maléficas estão em maior número ocorre a
disbiose, uma doença que pode provocar muitas outras enfermidades. A disbiose é
o desequilíbrio da microbiota, o nome
que se dá hoje ao que anteriomente era conhecido como “flora intestinal”. Hoje
não se usa mais esse termo.
V.U. – O que causa a disbiose?
N.P. – Há uma soma de fatores característicos da vida moderna
que podem provocar a disbiose. A
poluição, o uso excessivo de medicamentos – uma marca da nossa sociedade, o
consumo exagerado de alimentos industrializados (cheios de corantes,
conservantes e outros aditivos químicos), estresse, nicotina, álcool, má
alimentação em geral. Tudo isso em conjunto provoca o desequilíbrio da
microbiota intestinal.
V.U. – Além desses fatores que você citou, há outras causas
para desenvolver a disbiose?
N.P. – Há. O uso de antibióticos provoca uma pesada disbiose.
É uma das principais causas desse problema. É claro que, se for preciso, a
pessoa tem que tomar o antibiótico. Mas logo após o tratamento com o
antibiótico, ou mesmo durante o uso desse medicamento, é preciso tratar o
intestino. Estudos já comprovaram que para o uso de antibióticos durante apenas
sete dias, será preciso dois anos para reconstruir a microbiota.
V.U. – O que a disbiose faz no intestino?
N.P. – Quando as bactérias maléficas estão em maior número,
que é a disbiose, formam-se poros de passagem para macromoléculas no intestino, além de promover uma
modificação histológica das microvilosidades intestinais. Com isso, o organismo
passa a absorver moléculas que, em uma situação normal, ele não absorveria.
Essas moléculas caem na corrente sanguínea e podem provocar doenças e alergias.
Um exemplo é a molécula do glúten, que é uma molécula grande. Se a pessoa
estiver com disbiose, ela será facilmente absorvida intacta no seu intestino,
até porque a disbiose gera uma má digestão. Algumas pessoas, mesmo não sendo
celíacas, desenvolvem uma sensibilidade ao glúten não celíaca, e uma das causas
é a disbiose. Se esta for tratada corretamente, a sensibilidade é debelada. O
mesmo acontece com a lactose. Às vezes a pessoa não tem alergia ao leite, mas
precisa tratar a disbiose. Em algumas situações, a sensibilidade ao leite é
revertida. É muito importante destacar que várias doenças têm origem no
intestino. Quando o intestino é tratado, a doença pode desaparecer. É uma
questão de prevenção a manutenção da homeostase da microbiota intestinal.
V.U. – Fale um pouco sobre as bactérias benéficas.
N.P. - As bactérias benéficas são os lactobacilos e as
bifidobactérias. Quanto mais tivermos essas bactérias, melhor para a nossa
saúde. A disbiose decorre da redução no número de Unidades Formadoras de
Colônias dessas bactérias. Daí ocorrem
as alterações no organismo. Entre as possíveis doenças relacionadas estão
alguns tipos de câncer, como o de cólon e diversas alergias, além de depressão,
cansaço extremo, entre outros. A saúde do organismo depende do equilíbrio entre
as bactérias benéficas e as maléficas do intestino. Atualmente já se sabe que
temos mais bactérias no organismo do que células. Temos que cuidar bem delas!
V.U. – Quem pode desenvolver a disbiose? Há algum grupo de
pessoas mais propício?
N.P. - Acredito que praticamente todas as pessoas têm
disbiose, provocada pelo estilo de vida e a alimentação adotada hoje. Por isso
recomendo que a pessoa faça o tratamento intestinal.
V.U. – Como se detecta a disbiose?
N.P. – Pode ser detectada com um bom exame clínico. E isso
significa olhar tudo mesmo: língua, unhas,cabelos, sintomas difusos pelo corpo,
funcionamento intestinal. Além disso, é preciso fazer um exame de fezes chamado
coprocológico funcional. É um exame simples e barato; o preço varia, até porque
existem vários tipos de coprocológico, dos mais simples aos mais elaborados. Há
outros exames mais caros e sofisticados que detectam esse e outros problemas.
Mas com esses dois procedimentos relativamente simples, o exame clínico e o
exame de fezes, pode-se detectar e tratar a disbiose. O grande problema é que
são poucos os profissionais de saúde que sabem interpretá-lo. Nos cursos de
nutrição funcional os profissionais aprendem a fazer isso.
V.U. – Há maneiras de prevenir a disbiose?
N.P. – A melhor forma de prevení-la é consumir o menos
possível os alimentos industrializados, optando pelos mais naturais. Tomar
muita água, consumir fibras adequadamente, evitar medicamentos à toa (usá-los
somente em casos de necessidade real), consumir alimentos orgânicos livres de
agrotóxicos. Bebidas alcoólicas devem ser evitadas sempre. O sono ruim e o
estresse também provocam a disbiose.
V.U. – Apesar da importância do equilíbrio intestinal, que
você destacou, esse é um assunto pouco falado na medicina convencional. Por
quê?
N.P. – Já está comprovado que muitas doenças começam no
intestino. Mas a “medicina da doença”, que é a medicina que se pratica
usualmente, em geral trata os sintomas e ignora a causa. Muitos casos de
depressão têm origem no intestino. Noventa por cento da serotonina (hormônio do
bem estar) são produzidos no intestino, e não no cérebro. Uma pessoa pode ter
depressão e a causa pode estar localizada no intestino, provocada pela
disbiose. No entanto, na maioria das vezes o que acontece? A pessoa está com
depressão, vai ao médico e volta com uma receita de antidepressivo. Passa anos
e até décadas se intoxicando com remédios; alguns pacientes desenvolvem
dependência química e tem ainda a sobrecarga dos efeitos colaterais, sem
apresentar uma melhora expressiva. Tudo isso porque a causa do problema não foi
tratada. É importante ressaltar que não estou dizendo que todas as doenças são
causadas pela disbiose. Apesar disso, enfatizo que ao tratarmos o intestino,
podemos evitar uma série de doenças e este tratamento não tem efeito colateral.
Contudo, muitas doenças tem outras causas. De qualquer forma, a causa deve ser
sempre investigada.
V.U. – Há alternativas para o que você chama “medicina da
doença”?
N.P. – O que percebo é que a medicina praticada em nossa
sociedade só enxerga tratamentos através de remédios. Há um total desprezo
pelos recursos naturais, alguns usados há milênios. Há muitos exemplos disso no
dia a dia. Uma pessoa toma remédio para a pressão alta e o remédio ataca o
estômago. Ela volta ao médico e ele receita “prazol” para o estômago. Todos os
“prazóis” têm efeitos colaterais; isso já é comprovado. Entre outras doenças,
pode acarretar problemas de memória e até o Alzheimer. É um medicamento para
ser usado em situações de crise, para aliviar dores e mal estar. E não ser
usado indiscriminada e continuamente. Toda droga (remédio) tem efeitos
colaterais e a nutrição funcional pode tratar muitas coisas sem fazer o uso de
remédios. Contudo, mais uma vez deixo claro que não sou contra o uso de
medicamentos. Pelo contrário, em muitas situações eles são necessários. Apenas
digo que o uso indiscriminado e desnecessário de medicamentos tem levado muitos
indivíduos à situação de doença. É sempre melhor prevenir as doenças!
V.U. – Você pode citar outros remédios bastante usados e que
também têm efeitos comprometedores com o uso prolongado?
N.P. - As estatinas, para o tratamento do colesterol, também
tem consequências e efeitos colaterais sérios com o uso prolongado. Quando
dizemos “medicina da doença”, referimo-nos àquela situação onde o paciente
apresenta uma pequena alteração no colesterol e o médico logo introduz a
estatina. Em muitos casos, a adoção de uma dieta adequada, associada a uma
atividade física, seriam suficientes para controlar o mal colesterol , sem
necessitar de remédios. O uso prolongado de estatinas pode produzir uma série
de efeitos colaterais: desregulação hormonal, disfunção erétil nos homens,
redução do jato urinário, além de problemas de memória, entre outros. Isso já
está comprovado em muitos estudos.
V.U. – Muitos representantes da medicina tradicional parecem
se sentir ofendidos quando alguém sugere um método natural para a busca da
saúde. Por que isso ocorre?
N.P. – A nossa sociedade está tão viciada no uso de remédios
que não enxerga outros recursos e possibilidades. Não estou acusando os
médicos; eles fazem aquilo que aprenderam. Mas critico a medicina trash, que
parte logo para o uso de drogas sem considerar qualquer outra possibilidade. Mas
já há profissionais e setores da medicina bastante preocupados com essa
situação e propondo alternativas na prevenção de doenças.
V.U. – Tem algum exemplo específico sobre isso que você acaba
de dizer?
N.P. – Fui verificar há pouco tempo os remédios que um
familiar estava tomando. Constatei que ele toma doze comprimidos diários.
Dentre esses, três são para controlar a glicose no sangue. Nunca vi alguém
precisar de três tipos de medicamento para a glicose. Basta um. Esse mesmo
paciente sofre uma série de efeitos colaterais decorrente dos medicamentos. Um
médico consciente, ao avaliar esse paciente, retirou oito dos medicamentos
utilizados. Constatou que o paciente só precisa manter quatro dos mesmos.
Conclusão: uma economia de dinheiro e de saúde bem grande! Este indivíduo foi
aconselhado pelo médico a melhorar sua qualidade de vida, com boa alimentação e
atividade física diária. Tais medidas tomadas em conjunto, com certeza
melhorarão em muito a vida dessa pessoa.
V.U. – Você pode citar um exemplo de como a nutrição
funcional atuou positivamente?
N.P. - Na atuação prática do nosso trabalho, vemos muitos
pacientes do SUS que chegam sofrendo com os sintomas dos remédios que estão
usando há anos, estatinas e prazóis. Atendi um homem que fazia uso contínuo de
prazol há dois anos. Ele tinha vários sintomas, todos de efeito colateral do
medicamento. Em uma ação conjunta com o médico, propus a retirada paulatina do prazol
(foi feito o desmame) e indiquei o chá de hortelã que, entre outros benefícios,
é cicatrizante da mucosa gástrica. A reação dele foi essa: “a senhora está
doida? Vai me matar de dor”. Expliquei a ele os benefícios da hortelã e disse
que seria uma experiência. O homem voltou menos de um mês depois e não sabia
como agradecer. Estava tão feliz com o resultado!
V.U. – Mas o chá de hortelã vale para qualquer caso?
N.P. – Não. Já tive pacientes para quem o chá de hortelã não
resolveu. Aí foi preciso receitar manipulados fitoterápicos. Mas sempre procuro
primeiro os recursos mais simples, porque são mais baratos e não têm efeitos
colaterais. Quando não dão resultado busco outras soluções, como os
fitoterápicos manipulados. Mas esses já representam um custo a mais para o
paciente.
V.U. – O que mais você pode falar sobre a nutrição funcional?
N.P. – Além de buscar os recursos naturais, creio que a
nutrição funcional tem um papel importante na divulgação de informações. Há
muita falta de informação. As pessoas não sabem, por exemplo, que o leite piora
a gastrite. De imediato, ele tem um efeito ‘tampão’, e a pessoa sente um
alívio. Mas a longo prazo a situação piora. Não estou dizendo que é preciso
cortar o leite da alimentação. Mas são situações específicas em que a nutrição
funcional pode orientar corretamente. O bom nutricionista trabalha com sinais e
sintomas. Isso já é suficiente para prevenir e tratar diversas doenças.
V.U. – Voltando à disbiose, qual é o tratamento específico
para esse mal?
N.P. - O tratamento para a disbiose não se faz sozinho. É
preciso incluir pré e probióticos. Mas não adianta ir na onda das propagandas
que indicam o iogurte “x”, que contém probióticos etc e tal. A quantidade que a
pessoa precisa para recuperar o equilíbrio intestinal é muito maior do que a
que está no iogurte. Por isso é necessário o nutricionista prescrever a
quantidade certa, junto com uma dieta específica, personalizada, de acordo com
o estilo de vida e as possibilidades de cada um. Não há receita de bolo ou
fórmula mágica. Cada caso é um caso.
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