quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Disbiose e os males modernos do intestino

Entrevista


Nossa entrevista desta semana é com a Dra. Nathércia Percegoni, professora do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Juiz de Fora-MG. Ela revela que muitas doenças modernas, inclusive alguns casos de depressão, podem ter origem no intestino, prejudicado pelos hábitos de vida e alimentares adotados em nossa sociedade. Nutricionista formada pela Universidade Federal de Viçosa, Nathércia obteve o título de doutora por mérito e conquista, e não de favor ou por tradição. Tem tese aprovada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e fez Pós-doutorado na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). É com essa autoridade que fala sobre a disbiose, uma doença que pode acarretar muitas outras e, apesar disso, é pouco conhecida e falada. Fala ainda sobre a "medicina da doença", que prefere os remédios aos recursos naturais. 




Vida Útil – Você diz que é preciso fazer uma ‘limpeza’ intestinal, de tempos em tempos. Como se faz isso?
Nathércia Percegoni – Na verdade não é limpeza, é tratamento intestinal. A limpeza intestinal, em geral, refere-se àquele procedimento feito em hospitais, também conhecido como “lavagem”. O tratamento intestinal é outra coisa. No intestino humano há bactérias benéficas e maléficas e elas convivem em equilíbrio. Quando as bactérias maléficas estão em maior número ocorre a disbiose, uma doença que pode provocar muitas outras enfermidades. A disbiose é o desequilíbrio  da microbiota, o nome que se dá hoje ao que anteriomente era conhecido como “flora intestinal”. Hoje não se usa mais esse termo.

V.U. – O que causa a disbiose?
N.P. – Há uma soma de fatores característicos da vida moderna que podem provocar  a disbiose. A poluição, o uso excessivo de medicamentos – uma marca da nossa sociedade, o consumo exagerado de alimentos industrializados (cheios de corantes, conservantes e outros aditivos químicos), estresse, nicotina, álcool, má alimentação em geral. Tudo isso em conjunto provoca o desequilíbrio da microbiota intestinal.

V.U. – Além desses fatores que você citou, há outras causas para desenvolver a disbiose?
N.P. – Há. O uso de antibióticos provoca uma pesada disbiose. É uma das principais causas desse problema. É claro que, se for preciso, a pessoa tem que tomar o antibiótico. Mas logo após o tratamento com o antibiótico, ou mesmo durante o uso desse medicamento, é preciso tratar o intestino. Estudos já comprovaram que para o uso de antibióticos durante apenas sete dias, será preciso dois anos para reconstruir a microbiota.

V.U. – O que a disbiose faz no intestino?
N.P. – Quando as bactérias maléficas estão em maior número, que é a disbiose, formam-se poros de passagem para macromoléculas  no intestino, além de promover uma modificação histológica das microvilosidades intestinais. Com isso, o organismo passa a absorver moléculas que, em uma situação normal, ele não absorveria. Essas moléculas caem na corrente sanguínea e podem provocar doenças e alergias. Um exemplo é a molécula do glúten, que é uma molécula grande. Se a pessoa estiver com disbiose, ela será facilmente absorvida intacta no seu intestino, até porque a disbiose gera uma má digestão. Algumas pessoas, mesmo não sendo celíacas, desenvolvem uma sensibilidade ao glúten não celíaca, e uma das causas é a disbiose. Se esta for tratada corretamente, a sensibilidade é debelada. O mesmo acontece com a lactose. Às vezes a pessoa não tem alergia ao leite, mas precisa tratar a disbiose. Em algumas situações, a sensibilidade ao leite é revertida. É muito importante destacar que várias doenças têm origem no intestino. Quando o intestino é tratado, a doença pode desaparecer. É uma questão de prevenção a manutenção da homeostase da microbiota intestinal.

V.U. – Fale um pouco sobre as bactérias benéficas.
N.P. - As bactérias benéficas são os lactobacilos e as bifidobactérias. Quanto mais tivermos essas bactérias, melhor para a nossa saúde. A disbiose decorre da redução no número de Unidades Formadoras de Colônias  dessas bactérias. Daí ocorrem as alterações no organismo. Entre as possíveis doenças relacionadas estão alguns tipos de câncer, como o de cólon e diversas alergias, além de depressão, cansaço extremo, entre outros. A saúde do organismo depende do equilíbrio entre as bactérias benéficas e as maléficas do intestino. Atualmente já se sabe que temos mais bactérias no organismo do que células. Temos que cuidar bem delas!

V.U. – Quem pode desenvolver a disbiose? Há algum grupo de pessoas mais propício?
N.P. - Acredito que praticamente todas as pessoas têm disbiose, provocada pelo estilo de vida e a alimentação adotada hoje. Por isso recomendo que a pessoa faça o tratamento intestinal.

V.U. – Como se detecta a disbiose?
N.P. – Pode ser detectada com um bom exame clínico. E isso significa olhar tudo mesmo: língua, unhas,cabelos, sintomas difusos pelo corpo, funcionamento intestinal. Além disso, é preciso fazer um exame de fezes chamado coprocológico funcional. É um exame simples e barato; o preço varia, até porque existem vários tipos de coprocológico, dos mais simples aos mais elaborados. Há outros exames mais caros e sofisticados que detectam esse e outros problemas. Mas com esses dois procedimentos relativamente simples, o exame clínico e o exame de fezes, pode-se detectar e tratar a disbiose. O grande problema é que são poucos os profissionais de saúde que sabem interpretá-lo. Nos cursos de nutrição funcional os profissionais aprendem a fazer isso.




V.U. – Há maneiras de prevenir a disbiose?
N.P. – A melhor forma de prevení-la é consumir o menos possível os alimentos industrializados, optando pelos mais naturais. Tomar muita água, consumir fibras adequadamente, evitar medicamentos à toa (usá-los somente em casos de necessidade real), consumir alimentos orgânicos livres de agrotóxicos. Bebidas alcoólicas devem ser evitadas sempre. O sono ruim e o estresse também provocam a disbiose.

V.U. – Apesar da importância do equilíbrio intestinal, que você destacou, esse é um assunto pouco falado na medicina convencional. Por quê?
N.P. – Já está comprovado que muitas doenças começam no intestino. Mas a “medicina da doença”, que é a medicina que se pratica usualmente, em geral trata os sintomas e ignora a causa. Muitos casos de depressão têm origem no intestino. Noventa por cento da serotonina (hormônio do bem estar) são produzidos no intestino, e não no cérebro. Uma pessoa pode ter depressão e a causa pode estar localizada no intestino, provocada pela disbiose. No entanto, na maioria das vezes o que acontece? A pessoa está com depressão, vai ao médico e volta com uma receita de antidepressivo. Passa anos e até décadas se intoxicando com remédios; alguns pacientes desenvolvem dependência química e tem ainda a sobrecarga dos efeitos colaterais, sem apresentar uma melhora expressiva. Tudo isso porque a causa do problema não foi tratada. É importante ressaltar que não estou dizendo que todas as doenças são causadas pela disbiose. Apesar disso, enfatizo que ao tratarmos o intestino, podemos evitar uma série de doenças e este tratamento não tem efeito colateral. Contudo, muitas doenças tem outras causas. De qualquer forma, a causa deve ser sempre investigada.

V.U. – Há alternativas para o que você chama “medicina da doença”?
N.P. – O que percebo é que a medicina praticada em nossa sociedade só enxerga tratamentos através de remédios. Há um total desprezo pelos recursos naturais, alguns usados há milênios. Há muitos exemplos disso no dia a dia. Uma pessoa toma remédio para a pressão alta e o remédio ataca o estômago. Ela volta ao médico e ele receita “prazol” para o estômago. Todos os “prazóis” têm efeitos colaterais; isso já é comprovado. Entre outras doenças, pode acarretar problemas de memória e até o Alzheimer. É um medicamento para ser usado em situações de crise, para aliviar dores e mal estar. E não ser usado indiscriminada e continuamente. Toda droga (remédio) tem efeitos colaterais e a nutrição funcional pode tratar muitas coisas sem fazer o uso de remédios. Contudo, mais uma vez deixo claro que não sou contra o uso de medicamentos. Pelo contrário, em muitas situações eles são necessários. Apenas digo que o uso indiscriminado e desnecessário de medicamentos tem levado muitos indivíduos à situação de doença. É sempre melhor prevenir as doenças!

V.U. – Você pode citar outros remédios bastante usados e que também têm efeitos comprometedores com o uso prolongado?
N.P. - As estatinas, para o tratamento do colesterol, também tem consequências e efeitos colaterais sérios com o uso prolongado. Quando dizemos “medicina da doença”, referimo-nos àquela situação onde o paciente apresenta uma pequena alteração no colesterol e o médico logo introduz a estatina. Em muitos casos, a adoção de uma dieta adequada, associada a uma atividade física, seriam suficientes para controlar o mal colesterol , sem necessitar de remédios. O uso prolongado de estatinas pode produzir uma série de efeitos colaterais: desregulação hormonal, disfunção erétil nos homens, redução do jato urinário, além de problemas de memória, entre outros. Isso já está comprovado em muitos estudos.

V.U. – Muitos representantes da medicina tradicional parecem se sentir ofendidos quando alguém sugere um método natural para a busca da saúde. Por que isso ocorre?
N.P. – A nossa sociedade está tão viciada no uso de remédios que não enxerga outros recursos e possibilidades. Não estou acusando os médicos; eles fazem aquilo que aprenderam. Mas critico a medicina trash, que parte logo para o uso de drogas sem considerar qualquer outra possibilidade. Mas já há profissionais e setores da medicina bastante preocupados com essa situação e propondo alternativas na prevenção de doenças.

V.U. – Tem algum exemplo específico sobre isso que você acaba de dizer?
N.P. – Fui verificar há pouco tempo os remédios que um familiar estava tomando. Constatei que ele toma doze comprimidos diários. Dentre esses, três são para controlar a glicose no sangue. Nunca vi alguém precisar de três tipos de medicamento para a glicose. Basta um. Esse mesmo paciente sofre uma série de efeitos colaterais decorrente dos medicamentos. Um médico consciente, ao avaliar esse paciente, retirou oito dos medicamentos utilizados. Constatou que o paciente só precisa manter quatro dos mesmos. Conclusão: uma economia de dinheiro e de saúde bem grande! Este indivíduo foi aconselhado pelo médico a melhorar sua qualidade de vida, com boa alimentação e atividade física diária. Tais medidas tomadas em conjunto, com certeza melhorarão em muito a vida dessa pessoa.

V.U. – Você pode citar um exemplo de como a nutrição funcional atuou positivamente?
N.P. - Na atuação prática do nosso trabalho, vemos muitos pacientes do SUS que chegam sofrendo com os sintomas dos remédios que estão usando há anos, estatinas e prazóis. Atendi um homem que fazia uso contínuo de prazol há dois anos. Ele tinha vários sintomas, todos de efeito colateral do medicamento. Em uma ação conjunta com o médico, propus a retirada paulatina do prazol (foi feito o desmame) e indiquei o chá de hortelã que, entre outros benefícios, é cicatrizante da mucosa gástrica. A reação dele foi essa: “a senhora está doida? Vai me matar de dor”. Expliquei a ele os benefícios da hortelã e disse que seria uma experiência. O homem voltou menos de um mês depois e não sabia como agradecer. Estava tão feliz com o resultado!

V.U. – Mas o chá de hortelã vale para qualquer caso?
N.P. – Não. Já tive pacientes para quem o chá de hortelã não resolveu. Aí foi preciso receitar manipulados fitoterápicos. Mas sempre procuro primeiro os recursos mais simples, porque são mais baratos e não têm efeitos colaterais. Quando não dão resultado busco outras soluções, como os fitoterápicos manipulados. Mas esses já representam um custo a mais para o paciente.

V.U. – O que mais você pode falar sobre a nutrição funcional?
N.P. – Além de buscar os recursos naturais, creio que a nutrição funcional tem um papel importante na divulgação de informações. Há muita falta de informação. As pessoas não sabem, por exemplo, que o leite piora a gastrite. De imediato, ele tem um efeito ‘tampão’, e a pessoa sente um alívio. Mas a longo prazo a situação piora. Não estou dizendo que é preciso cortar o leite da alimentação. Mas são situações específicas em que a nutrição funcional pode orientar corretamente. O bom nutricionista trabalha com sinais e sintomas. Isso já é suficiente para prevenir e tratar diversas doenças.

V.U. – Voltando à disbiose, qual é o tratamento específico para esse mal?

N.P. - O tratamento para a disbiose não se faz sozinho. É preciso incluir pré e probióticos. Mas não adianta ir na onda das propagandas que indicam o iogurte “x”, que contém probióticos etc e tal. A quantidade que a pessoa precisa para recuperar o equilíbrio intestinal é muito maior do que a que está no iogurte. Por isso é necessário o nutricionista prescrever a quantidade certa, junto com uma dieta específica, personalizada, de acordo com o estilo de vida e as possibilidades de cada um. Não há receita de bolo ou fórmula mágica. Cada caso é um caso.


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