quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Olha o rótulo

Entrevista



Criada há seis meses, a página Olha o rótulo, no Instagram, já conta com mais de três mil seguidores. Aluna do 6º período do curso de Nutrição, da Universidade Federal de Juiz de Fora, Layla Procópio é a autora da página. Ela deu a primeira entrevista, após a criação da página, ao Blog Vida Útil. Confira: 




Vida Útil – Como surgiu a ideia de fazer essa página?
Layla Procópio – A ideia partiu da dúvida que eu percebia em muitas pessoas. Muita gente não sabe o que contém nos rótulos daquilo que estão comendo. Outro propósito da página é chamar a atenção para a importância do consumidor observar isso.

V.U. – Na prática, qual é o trabalho feito através da página?
L.P. – Ler os rótulos, esmiuçar o que os produtos contém. Ali há muitas informações que podem orientar o consumidor. A primeira coisa que oriento é verificar se tem muitos nomes estranhos. Se houver mais de três nomes que a pessoa não conhece, isso já é um mal sinal. Significa que há aditivos químicos de sobra e o produto se afasta bastante do aspecto natural. Essas são informações que, em geral, a indústria prefere que o consumidor não saiba.

V.U. – Pode dar algum exemplo?
L.P. – Há dois exemplos que gosto de usar porque são marcantes e estão muito presentes no nosso dia a dia. Se você olhar os rótulos da manteiga e da margarina perceberá bem o que estou falando. Na manteiga há basicamente creme de leite e sal. Na margarina há uma série de nomes que as pessoas não conhecem. Portanto, fica claro que a manteiga é muito mais natural do que a margarina. Outro exemplo é o iogurte natural e o iogurte com sabor. O iogurte natural tem basicamente o fermento e o leite. Já o iogurte com sabor tem vários outros componentes. Veja o iogurte de morango. Há tanta coisa ali e o morango mesmo quase não está presente.

V.U. – A página foi criada há seis meses e já tem mais de treze mil seguidores. Como você explica essa adesão?
L.P. – No começo eu ia no mercado, pesquisava os rótulos e postava. Depois abri para as pessoas enviarem os rótulos para eu comentar. Isso gera uma troca de informações muito valiosa para todos nós. Algumas coisas eu esclareço imediatamente, como a presença de gorduras e açúcares. Outras preciso pesquisar. Assim que faço a pesquisa, respondo e digo de onde tirei a informação. Geralmente de artigos científicos.

V.U. – Há muitas ‘pegadinhas’ nos rótulos?
L.P. – É preciso estar atento e saber o que significam os nomes. A indústria usa vários nomes para o açúcar: açúcar invertido, maltodextrina, glicose, glucose. Tudo isso é açúcar e, em alguns produtos, esses nomes se repetem várias vezes. É importante atentar para isso, ver as quantidades. 
 
V.U. – Qual é a média de postagens que você faz?

L.P. – Tento postar todos os dias. Mas em períodos de aula às vezes fica difícil. Agora que estamos em recesso, consigo postar diariamente.

Refresco em pó só tem 1% de fruta. O restante é composto de açúcar, corantes, conservantes e outros aditivos químicos.
V.U. – Há outras coisas que você posta além dos comentários sobre os rótulos?
L.P. – Gosto muito de pesquisar. Estou pesquisando o “caramelo 4”, muito usado em refrigerantes do tipo “cola”. Há muitos estudos que apontam ser essa substância cancerígena.

V.U. – Há algum trabalho parecido com o seu na internet?
L.P. – Do tipo de trabalho que faço na 'Olha o rótulo' ainda não vi. Hoje há muitas blogueiras fitness; algumas têm 200 mil e até 300 mil seguidores. Mas questiono algumas informações que são repassadas. Algumas indicam produtos que prometem resultados que, na prática, não se verificam. Dia desses vi o anúncio de um chá de laranja para emagrecer. Dizem que o chá não tem açúcar. Fui verificar e vi que está cheio de produtos químicos. Realmente não há açúcar, mas e a carga de aditivos artificiais? Creio que mais importante do que receitar fórmulas mágicas para emagrecer, é explicar o que é a nutrição de verdade. O alvo não deve ser um corpo magro, mas um corpo saudável.

V.U. – E você percebe que as pessoas estão ficando mais atentas aos rótulos e ao que estão comendo?
L.P. – Isso é visível. Essa rede de informações é muito bacana. Hoje alguém postou que está tomando um suco de laranja que não tem conservantes. Verifiquei o rótulo e informei a ela que realmente não há conservantes, mas o suco passa por um processo de pasteurização, o que provoca várias perdas nutricionais. Isso não significa que o produto é ruim. Mas significa que ele não é totalmente natural.

V.U. – Você se sente gratificada com esse trabalho?

L.P. – Tenho um retorno muito gratificante das pessoas. E tento não apenas dizer se algo é bom ou ruim, certo ou errado. Procuro dar opções. Isso é trabalhar com o olhar de nutricionista. Uma pessoa informou que come um biscoito desde criança e só agora descobriu que ele é basicamente composto de gordura e açúcar. Ela descobriu isso através da leitura do rótulo. Procurei passar opções para ela, como reduzir o consumo de forma gradativa, procurar fazer substituições. Tentar uma receita caseira que seja parecida com o biscoito comprado. Penso que a orientação nutricional tem de ir além do “pode/não pode”, do certo/errado.



"Há crianças que não conhecem um tomate"

V.U. – Mas então você flexibiliza o uso de alimentos recomendáveis e não recomendáveis?
L.P. – Creio que as pessoas hoje têm uma tendência a ficar muito restritivas, até alguns nutricionistas. Eu busco estudar coisas novas e tenho aprendido que o ideal é o equilíbrio. Acho que temos de sair desse “terrorismo nutricional”. E penso também que é preciso instigar as pessoas para que elas se interessem em saber o que estão comendo, se aquilo é conveniente para elas. Oriento aos que nos procuram a buscar as informações que precisam, faço citações e digo onde podem ser encontradas. Não acho interessante que eles fiquem esperando as respostas prontas e mastigadas.

V.U. – Você usa outro recurso da internet para esse trabalho além do Instagram?
L.P. – Não. Prefiro o Instagram porque as postagens são mais objetivas, há o recurso das imagens, e esse é também o meio mais usado pelas blogueiras fitness campeãs em acessos. Não se trata de uma competição. Mas é que vejo tantas informações erradas em algumas páginas que busco usar o mesmo recurso para passar as orientações que entendo serem corretas e úteis. Acho que assim as pessoas têm a chance de comparar as informações e escolher as que acharem melhor.

V.U. – Que tipo de coisas erradas você vê?
L.P. – Um exemplo clássico são as propagandas de chás emagrecedores. Muitas blogueiras divulgam esses produtos porque estão recebendo para isso. A revista Veja inclusive publicou uma matéria falando sobre os salários dessas blogueiras. Algumas chegam a receber R$ 200 mil por mês. Eu não divulgo marcas. Penso que cada um deve procurar o que é mais conveniente para si. Uma alimentação saudável é para a vida toda. O importante não é a marca mas, sim, se o produto é bom. Penso que minha página ainda é pequena no número de acessos, comparada ao de outras, também pelo fato de não fazer propagandas. Em compensação, ganho muito em realização profissional.

V.U. – É algo parecido com o que acontece com os blogs de moda? Eles proliferaram fazendo propagandas de lojas e butiques.
L.P. – Hoje ocorre uma coisa interessante. Todo mundo acha que sabe tudo sobre nutrição. Acontece que a nutrição é individual. Tem que levar em conta os fatores genéticos, os hábitos de vida da pessoa, a região onde ela vive. Esse é um trabalho nutricional sério para atender às necessidades de determinado indivíduo. O que acontece com as dietas da moda, como a da lua ? Muitas dessas dietas e produtos são divulgados por blogueiras fitness. Dão certo para um pequeno grupo de pessoas. Mas para a maioria não dá pelos motivos que citei anteriormente. Não leva em conta as especificidades de cada pessoa.

V.U. – Então você é contra as dietas da moda?
L.P. – Vejo que as dietas da moda são muito restritivas. E ninguém consegue levá-las adiante por muito tempo. Entendo que dieta é sinônimo de equilíbrio. Pode-se comer de tudo que é natural, desde que seja com moderação. As restrições que defendo são em relação a produtos que não têm nenhum valor nutricional, como os refrigerantes.

V.U. – E o 'corpão' exibido pelas blogueiras fitness?

L.P. – As pessoas precisam entender que há profissionais que vivem para isso, para trabalhar o corpo. Passam o tempo todo em academias. Fazem reparações cirúrgicas. Ganham muito dinheiro para passar essa imagem. Mas essa não é a realidade da maioria das pessoas. A gente não pode viver para um corpo, ter a vida toda direcionada para obter resultados corporais. Se fizermos disso a razão da nossa vida, certamente virá frustração.


V.U. -  Esse seu trabalho no Instagram rende algo financeiramente ou mesmo no meio acadêmico para você?

L.P. – Não. É totalmente voluntário. Além desse, integro dois projetos de extensão. Um é o Genf (Grupo de Estudo de Nutrição Funcional); para participar passei por um processo de seleção. Não consegui a bolsa, que era destinada somente ao primeiro colocado. Eram três vagas e fiquei em segundo lugar. No próximo ano farei parte de outro projeto, o Mercado Escola, que é muito interessante e é coordenado pelas mestrandas do curso de Nutrição. Nesse também não há remuneração. Embora considere a parte financeira importante, a participação nesses projetos é gratificante, e traz muito aprendizado e realização. O fato de estar em um contato mais próximo com professores e pessoas dedicadas me abre muitas portas, inclusive a de dar essa entrevista agora. Para mim, o mais importante é o aprendizado.

V.U. – Como vai funcionar o Mercado Escola?

L.P. – Algumas escolas serão selecionadas para participar. É um projeto que vai trabalhar a nutrição infantil, um tema que gosto bastante. As crianças serão levadas para fazer compras nos ‘supermercados’ montados nas escolas com alimentos sintéticos. Os produtos são réplicas exatas aos alimentos de verdade. Há batatas, tomates, diferentes tipos e tamanhos de bifes. As crianças irão às ‘compras’ e aí veremos o que elas estão escolhendo. A partir disso elas serão orientadas. Esse projeto tem o apoio da própria universidade e de um plano de saúde, pois os produtos usados pelas crianças são muito caros. Só alguns consultórios de nutricionistas os tem. Em relação ao apoio do plano de saúde, creio que eles estão percebendo o valor de investir na prevenção, através de uma boa alimentação, que pode evitar gastos maiores com doenças lá na frente. Entendo que o próprio governo poderia agir de forma mais firme nesse aspecto, até para aliviar os seus cofres no gasto com tantas doenças.

A maioria dos planos de saúde não cobre consultas com nutricionistas. Nem as unidades de saúde pública dispõem esse serviço.


V.U. – Como você vê o trabalho da Nutrição hoje?
L.P. – Como eu disse antes, hoje a maioria das pessoas acha que sabe tudo de Nutrição. Tem gente que frequenta academia, toma suplementos ou consulta um nutricionista e sai repassando as orientações que recebeu como se elas servissem para todo mundo. Mas as coisas não funcionam assim. O uso de suplementos, por exemplo, a pessoa chega na loja e o vendedor orienta: tome tantas colheres por dia. Acontece que, se a ingestão de suplementos for inadequada, isso pode acarretar no efeito contrário; em vez de adquirir massa magra (transformar gordura em músculo), a pessoa pode engordar. Quando ocorre uma sobrecarga de nutrientes há vários prejuízos. O corpo entra numa espécie de competição nutricional e os efeitos são contrários ao que se deseja.

V.U. – Mas os planos de saúde não cobrem consultas com nutricionistas. Você considera a sua profissão marginalizada por isso?
L.P. – É verdade. Nenhum plano de saúde cobre consultas com um nutricionista. Creio que o próprio governo poderia investir mais nisso. Nas UPAs, no SUS não há esse tipo de atendimento. E ele é muito necessário. Muitas vezes um jeito de tratar uma doença e obter bons resultados está diretamente ligado à questão da nutrição e da alimentação.

V.U. – Apesar dessas dificuldades você se entusiasma com a sua profissão?
L.P. – Vejo a nutrição como algo para a vida, para melhorar a vida das pessoas. Gosto muito de abordar a nutrição infantil. Já está comprovado que a criança educada com uma alimentação saudável mantém esse padrão depois de adulta. E às vezes vemos coisas absurdas. Na faculdade assistimos a videos que mostram crianças que não conhecem um tomate. Por outro lado, verifica-se também uma busca maior de conscientização sobre os alimentos. Gosto de citar o exemplo da minha avó. Quando ela preparava a minha mamadeira colocava Nescau e açúcar. Hoje ela sabe que isso é totalmente errado, pois o Nescau já é absurdamente doce. Não há necessidade de mais açúcar.

V.U. – O que você diz para as pessoas que querem ou precisam comer fora, que usam muitos alimentos industrializados?
L.P. – Acho que deve haver uma preocupação principalmente com as crianças. E o tempo gasto para preparar alimentos em casa é um investimento na saúde. As mães que alegam não ter tempo para cuidar da alimentação dos filhos deveriam pensar que poderão ter de cuidar das doenças deles no futuro. O excesso de farinhas lácteas, achocolatados prontos e biscoitos recheados nas merendas infantis cria uma predisposição para o diabetes. Vejo que muitos pais se preocupam em dar o melhor videogame, o melhor brinquedo ou computador para os filhos, mas não atentam para essa questão essencial que é a saúde e a vida da criança e do futuro adulto.

V.U. – Por que os alimentos industrializados tomaram esse aspecto tão negativo?
L.P. – Realmente, a alimentação mudou muito. A indústria foi percebendo que a alimentação com muita gordura e muito açúcar era atraente ao paladar das pessoas. Só que a conta vem mais tarde, cobrada na saúde. Isso pode ser visto na prática. Antigamente não havia essa epidemia de obesidade como vemos hoje. Os casos de diabetes eram raros, mais ligados a fatores hereditários.

V.U. – Qual é a solução para enfrentar isso?
L.P. – A velha e boa comidinha caseira. Procurar fazer as coisas em casa. Se você faz uma receita de biscoitos, ela pode durar uma semana. Essas são dicas que busco repassar na página do Instagram. É importante lembrar também das atividades físicas.

V.U. O governo tem feito alguma coisa para conter esse avanço da obesidade e de outras doenças decorrentes da má alimentação?
L.P. – Outro dia um integrante da página queixou-se disso, dizendo que o governo devia proibir o comércio desse e daquele produto. Argumentei que o governo brasileiro conseguiu um feito que nunca foi obtido nem nos Estados Unidos. Lançou um Guia Alimentar maravilhoso, claro e completo que está disponível para quem quiser. O guia brasileiro alerta sobre os alimentos ultraprocessados. Nos Estados Unidos já fizeram várias tentativas de lançar um guia assim e nunca conseguiram.

V.U – O que são os alimentos ultraprocessados?
L.P. – São os que passam por diversos processos. E não são só as carnes embutidas. Os sucos e refrescos em pó têm apenas 1% de fruta. Noventa e nove por cento são açúcar, conservantes, corantes e aromatizantes. Ironicamente, alguns blogs fitness recomendam esses sucos para emagrecer, quando eles não têm açúcar. Mas a carga excessiva de produtos químicos está ali. É nesse aspecto que vejo a diferença do olhar da nutrição. A verdadeira nutrição não se ocupa só com o emagrecimento mas com a saúde e o bem estar.

V.U. – Você já foi procurada por fabricantes de produtos, como fazem com muitas blogueiras fitness?
L.P. – Ainda não. Apenas já recebi alguns produtos. Mas não faço propagandas.

V.U. – Voltando à página Olha o rótulo, o que de mais importante você tem percebido com esse seu trabalho?
L.P. – Entendo que a indústria é muito mais poderosa do que os nutricionistas e do que o próprio governo quando se trata de influenciar a alimentação das pessoas. Ela conta ainda com os recursos de propaganda e marketing diversos, que nós não temos. Penso que o trabalho na página Olha o rótulo contribui para as pessoas terem mais consciência sobre o que comem. Outro dia uma pessoa veio questionando sobre um biscoito que ela come há anos e é apresentado como 100% integral. É produto indicado por um blog fitness. Quando ela foi verificar o rótulo, havia só 40% de cereal integral. O restante era farinha comum. Daí vejo a importância desse trabalho. Antes, esse tipo de conscientização não acontecia.

V.U. – Qual é o recado que você quer passar para as pessoas que leem essa entrevista?

L.P. – Informação só é boa quando é compartilhada. Informação guardada não tem valor. E as informações sobre nutrição são para promover saúde. A boa alimentação previne várias doenças e pode ajudar a tratá-las. Quanto mais forem difundidas essas informações, melhor.




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