Inquisição contemporânea
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Aconteceu em Juiz de
Fora. Um especialista veio à cidade falar sobre autismo. A mãe, cujo filho tem
o problema, assistiu atenta à palestra e, quando a palavra foi aberta para
perguntas, indagou sobre a indicação da dieta sem glúten para autistas, já em
uso em vários países. A resposta do especialista: "Se a senhora acredita
nisso, pode acreditar também que uma trezena ou novena vai curar o seu filho.
Essa dieta não tem comprovação científica".
Indignada, a mãe
relata que teve vontade de ir à frente falar da melhora notável da criança, a
partir da retirada do glúten, que vinha sendo feita há alguns meses. Entre os
benefícios, cessaram os vômitos, que aconteciam de três a quatro vezes por
semana, e também as diarreias e as cólicas; a agressividade diminuiu, e a
sociabilidade melhorou. "Minha família passou a ser leitora de rótulos dos
alimentos", conta. É importante explicar que a dieta sem glúten para o
autista nada tem a ver com a doença celíaca; são problemas distintos.
A medicina, por não
ser uma ciência exata, sobrevive em território movediço. As
"verdades" podem mudar a qualquer instante, trazendo surpresas. Veja
o caso do abacate; condenado e proscrito por décadas, virou recentemente o
melhor amiguinho do coração. Muitos outros exemplos poderiam ser citados, mas
não cabem nesse espaço. Importa destacar aqui o rompante e a certeza com que se
afirma uma suposta verdade que daqui a pouco poderá ser desmentida. A tal da
"comprovação científica" poderá nunca vir, a depender dos interesses
em jogo.
A Igreja Romana tocou
o terror, séculos atrás, ao levar para a fogueira pessoas que contrariavam o
cânon vigente. Note-se que a maioria esmagadora dos condenados eram mulheres;
algumas, por práticas estranhas, outras tantas, porque empregavam métodos de
cura com o uso de ervas e recursos naturais. Vale destacar que as
"feiticeiras" desafiavam não somente o poder clerical mas também a
ciência da época.
A medicina acadêmica
consolidava seus passos, na Idade Moderna, e não queria saber de concorrência.
O livro do professor Timothy Walker, da Universidade de Massachusetts,
recém-traduzido para o português, conta bem essa história. Em "Médicos,
medicina popular e inquisição: a repressão das curas mágicas em Portugal
durante o Iluminismo", o autor relata como os representantes da nova
medicina profissional se aliaram ao Santo Ofício para desacreditar e eliminar
os curandeiros, considerados concorrentes no mercado e "inimigos da razão
científica". Séculos se passaram, mas, ao que parece, a mentalidade humana
mudou pouco. Na era da tecnologia digital, há muita gente com vocação para ser
um inquisidor pós-moderno.
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